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Legends of Zangor #04


Capítulo 03 - Agente da Lei

"O que todo agente da lei precisa conhecer? Antes de tudo, os crimes que o cercam." Esse fora o primeiro ensinamento recebido por Aldus ao iniciar seu treinamento para a guarda de Theyley. A justiça em Zardoia funcionava de modo distinto das zonas desérticas donde Golden saíra. Entre os caravanistas, o princípio era simples: "jogue areias aos olhos de teu inimigo, e o vento as trará de volta ao seu rosto". Pulando as questões metafísicas, funcionava assim: quem roubassse, perderia suas posses, quem violasse, seria violado, quem matasse...

Em Theyley, o peso de representar o digníssimo Tranislav tornava a guarda repleta de códigos e funções. A justiça deveria servir à construção de uma sociedade melhor, não somente à vigilância e punição. Os guardas tinham sérias restrições quanto ao uso da força sem comprovada corrupção das leis, e o clericato possuía voz força para intervir a favor de soluções sem uso da violência. A "regra do pêndulo" norteava as leis: justiça significava a busca pelo equilíbrio, mas não como a manutenção de pesos em uma balança. Não, isso era cego e passível de muitos erros. Como medir pesos de coisas totalmente diferentes? Como equivaler uma vida perdida? Os zardoianos preferiam a analogia ao pêndulo de um relógio. Para manter seu equilíbrio, era necessário levar em conta muitas variáveis: o material da corda, da base do pêndulo, seu vínculo ao sustentáculo superior, a eficiência da portinhola que o mantinha alheio às mudanças de vento e temperatura, o material do relógio, a intervenção externa. Qualquer elemento poderia perturbar esse equilíbrio, e era necessário estar atento a tudo, de olhos bem abertos.

Isso dava a alguns oficiais da lei prerrogativas e funções peculiares. Os paladinos iniciados, por exemplo, eram responsáveis por prevenir a mendicância, retirando os mais pobres das ruas e levando-os aos abrigos. Em alguns casos, deveriam ajudá-los a encontrar algum trabalho. Os guardas deveriam buscar não somente intervir em casos de furtos e crimes menores, mas também buscar, em parceria com o clericato, o entendimento da situação na qual os criminosos se encontravam. Crimes de menor impacto normalmente tinham relação com situações de desespero, necessidade ou medo. É claro que o sistema era falho. Muitos guardas não seguiam o código; alguns estavam na folha de pagamento das guildas de ladrões; e alguns simplesmente eram incompetentes. Somente paladinos tinham uma presteza moral grande o suficiente para cumprir suas obrigações; eram cavaleiros e clérigos ao mesmo tempo.

O inspetor Golden guardava a si algumas peculiaridades. A principal delas era seu contato com Riccardo Pinzolo, um usurário com um código de conduta curioso, que mantinha negócios com uma quantidade incrível de pessoas em todo o reinado, movia grande montante e possuía diversas pessoas em seu bolso. Com taxas absurdas para seus empréstimos, oferecidos sem grandes restrições, não era incomun que Pinzolo recebesse pessoas desesperadas por não terem o necessário para quitar suas dívidas. Em troca, recebia favores e, mais importante, informações. Sabia muito sobre quase tudo na cidade, e isso permitia que recebesse proteção velada de Golden, deixando-o longe das mãos das igrejas de Tranislav e Freyja, vigorosos perseguidores da usura.

Seu estabelecimento ficava em uma viela na região central da cidade, com uma entrada discreta nas sombras fornecidas pela taverna acima do porão onde funcionava sua casa de empréstimos. Não havia placas, somente uma escadaria de pedra e uma porta com inscrições gravadas na madeira. O dinheiro de Pinzolo o permitia comprar proteções místicas, para não depender somente do inspetor.

- Rick, preciso falar com você imediatamente. - Aldus bateu na porta de forma peculiar, codificada.

Uma figura mediana, humana, vestindo trajes nobres, com uma careca lustrada e um bigode quase artificialmente negro abriu a porta. Um colar com um medalhão cintilante e um anel com uma pedra amarela chamavam muita atenção de quem o encarasse. O olhar do homem era astuto, como de um gavião.

- Você demorou mais do que esperava, inspetor. Vamos, entre - a voz de Pinzolo soava quase como o sibilar de uma cobra.

 

- Como sabia que iria aparecer aqui? - o inspetor perguntou desconfiado enquanto entrava nos aposentos do usurário.

- Você me ouviu bem, que eu sei - respondeu Pinzolo erguendo o dedo com uma negativa - eu não sabia que você viria, mas esperava sua visita. Assim que a morte do velho Wolfengar se espalhou pela cidade, sem menção à causa da morte, suspeitei o seu envolvimento na história. Fico feliz que ainda conte comigo - seu sorriso estava longe de transmitir inocência.

- Não tenho tempo para suas brincadeiras, Rick. Preciso saber tudo sobre uma pessoa: passado, profissão e, principalmente seu paradeiro. Isso é uma questão de vida ou...

- Ora, inspetor, não me venha com esse papo de guardinha - interveio Pinzolo com mais seriedade no olhar, mas sem perder o tom jocoso em sua fala. - Todos sabemos que não dou a mínima para questões de vida ou morte. Não sou parteira, muito menos coveiro.Por outro lado, há um carregamento de juma chegando a oeste, que poderia muito bem ser despercebido pela guarda...

Juma era uma droga vil produzida pelos elfos negros com minérios descartados das Minas Dommo, entre Zardoia e o reino de Cwmbruthy, localizado no extremo nordeste do continente. O pó produzido da raspagem dos minérios era misturado com uma erva branca comum às zonas montanhas do norte, e surtia efeitos alucinógenos poderosos nos usuários. Também era extremamente viciante, sendo proibido nos reinos ocidentais. O mais comum era a exportação pelos portos de Cwmbruthy para a Zona Central, mas parecia que Pinzolo estava interessado em ampliar seus negócios.

- Juma?! Não, isso está fora do nosso combinado, Rick. Nem sei como poderia manipular um caminho inteiro de guardas para a passagem desse contrabando. - a resposta de Aldus foi firme no tom, mas exitosa no conteúdo. Ele precisava de Pinzolo, e ambos sabiam disso.

- Ora, inspetor... é uma questão de vida e morte, certo? Sangue nobre já foi derramado. Acho que você pode convencer alguns guardinhas a fazer vista grossa...

- Não - Aldus assumiu sua forma de rocha - isso não será possível. Procurarei as informações por conta própria, então. - e pôs-se à porta.

- Calma, calma - Pinzolo reassumiu um tom completamente jocoso, postando-se entre o inspetor e a saída - bem, valia a pena tentar - falou rindo - Sabia que poderia ser um pouco demais.

- Rick! - a paciência do inspetor fora embora.

- Tudo bem, tudo bem. Deixemos essa informação pendurada como um favor... quem você procura?

- Um homem chamado Hugnar. É provável que seja um alvo como Adyl.

- Então não foi um simples assassinato...uma conspiração? Interessante, mas pode ser ruim aos negócios... Bem, sim, desculpe pelo divagar. Hugnar não é um homem, meu caro inspetor, ela é uma funcionária no Anão Caolho, trabalha lá há alguns anos. Não vejo como uma conspiração possa envolver a morte dela e de Adyl Wolfengar.

- Você não está aqui para compreender evidências, Pinzolo. O que mais sabe sobre ela?

- Ela habita em uma casa no pé da montanha, próximo a seu amigo Chap. Também sei que não trabalha por lá hoje. A casa não possui chaminé, algo a ver com sua resistência natural ao frio... sabe como é, né? Pessoas do norte...

Aldus contornou o velho gavião e pôs-se a porta com pressa. - Discutiremos depois o valor de sua informação, Rick. - fez uma breve pausa ao abrir a porta - Posso supor que esse carregamento de juma não virá a oeste, sim?

- Claro que não - respondeu risonhamente o velho, mostrando os dentes em seu sorriso quase macabro.

 

Aldus cavalgava ferozmente pela noite. Atravessara a cidade algumas horas antes para avaliar a cena do assassinato de Adyl Wolfengar, e agora tinha de voltar aos pés da cordilheira para evitar outra morte. Será que conseguiria? As ruas não ofereciam grandes obstáculos. O caminho da volta era quase o mesmo da ida, mas o passar das horas já tinha empurrado quase todos de volta às casas. Somente ouvia-se o som do vento e do bater dos cascos do cavalo no chão de ladrilhos que cortava a área central da cidade e o caminho dos templos...

"A pluma negra... a flecha... Será coincidência? Tantos anos... não pode ser. Agora é a vez em que conseguirei respostas...preciso correr."

Ao longo do percurso, a mente de Aldus Golden flutuara novamente, e seu olhar amarelado não parecia enxergar nada a frente, quase como se o cavalo tomasse conta do percurso. E assim passou...

Aldus parou frente à casa de pedra sem chaminé, como descrevera Pinzolo. Não chamou por ninguém, não bateu à porta, simplesmente abriu de sopetão. Vasculhou rapidamente a pequena sala e o quarto de dormir. Achou uma portinhola trancada num canto onde um tapete fora recentemente empurrado. Forçou a entrada, quebrando a madeira. Desceu rapidamente uma escadria, encontrando papéis espalhados, uma mesa revirada e um baú aberto.

Não havia ninguém lá...

Continua ...


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